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A Regeneração abrange aproximadamente o terceiro quartel do século. O levantamento militar de Saldanha, em 1851, impõe o Acto Adicional à Carta dando fim à discussão constitucional entre "Cartistas" e "Setembristas". Em 1876, verifica-se uma grave crise económica e celebra-se o Pacto da Granja, que cria o Partido Progressista, iniciando com o Rotativismo a fase final do regime monárquico constitucional. Dentro deste intervalo decorre o período decisivo da construção de caminhos-de-ferro e outros meios de transporte e comunicações, que produzem, como consequência imediata mais importante, a unificação do mercado interno português e a integração da agricultura no capitalismo, para o que contribui a eliminação dos últimos morgadios em 63. Portugal continua sendo essencialmente "uma granja e um banco", mas, sob os pontos de vista da organização financeira e da estrutura jurídica, aproveita a experiência dos países mais adiantados e prepara-se para a sua fase de industrialização capitalista, que se esboçará no último quartel do século: o número de estabelecimentos bancários sobe de 3 para 51 entre 1858 e 1875, e a formação das sociedades capitalistas anónimas, condicionada à autorização governamental pelo código de 33, torna-se livre desde 1867, existindo já 136 sociedades dessas em 1875. Mantém-se o mesmo desequilíbrio entre o desenvolvimento do crédito bancário e o fomento agrícola e industrial, e portanto a tendência para a especulação desenfreada que, precisamente, conduz à crise de 1876 e ao descrédito do regime, tal como já levara a uma primeira crise em 46 e à queda subsequente da ditadura cabralista.
Mas, enquanto a crise não estala, a época parece ser de regeneração, de progresso, de melhoramentos materiais . Aos conflitos de 1834-51, entre a grande e a pequena burguesia, segue-se uma acalmia e uma apatia política geral. O atraso da industrialização, e portanto da proletarização fabril, torna quase insensível a presença de novas forças sociais, pelo menos até à "Pavorosa" de 72. A toda esta acalmia corresponde o formalismo literário de que Castilho é corifeu; uma certa regressão ao ensino clássico; um refluxo ideológico no sentido conservador, de que o regresso de certas ordens religiosas, sob a forma de Irmãs de Caridade (57), é um sinal característico. D. Fernando de Coburgo, rei-consorte, que constrói o palácio de Sintra segundo o modelo do Romantismo alemão, preside aos primeiros anos deste romantismo sentimental e conservador.

No entanto, certas camadas da pequena burguesia, os jovens universitários, certas profissões mais novas e orientadas para coisas novas, como a dos engenheiros, não deixam nunca de fazer sentir literária e até doutrinariamente um descontentamento que cresce e se define ao longo do período. Nestes meios actuam como fermento os escritores e ideólogos que deram voz à revolução europeia de 1848 e alimentaram os protestos contra Napoleão III, contra a ocupação estrangeira da Itália e outros países. A partir de 1850 aparece a imprensa periódica especialmente destinada ao operariado e até já colaborada por operários: Eco dos Operários, 1850-51, Lisboa, orientado por Sousa Brandão e A. Pedro Lopes de Mendonça; Esmeralda, 1850-51, Porto, fundado por Marcelino de Matos e colaborado por Arnaldo Gama, Coelho Lousada e Custódio José Vieira; A Península, 1852-53, Porto, fundada pelos principais colaboradores de Esmeralda e que publicou artigos de Amorim Viana, entre outros. O associativismo operário teve também por então o seu primeiro impulso, criando-se em 1852 a Sociedade Promotora do Melhoramento das Classes Laboriosas, que doravante lhe servirá de eixo principal, até a Geração de 70 lhe dar um novo âmbito. Surge assim o primeiro grupo dito de "socialistas", geralmente engenheiros (Latino Coelho, Rolla, Casal Ribeiro, etc.), cujos precursores, como A. P. Lopes de Mendonça, vinham já do tempo da Patuleia; e entre eles destaca-se Henriques Nogueira (1825-58), cujas obras, sobretudo os Estudos sobre a Reforma em Portugal (51), são precursores dos doutrinários de 1870, Antero de Quental e Teófilo Braga. Alguns destes ideólogos (Latino, Casal, Nogueira) chegaram a formar planos utópicos de reorganização política de toda a Península Ibérica em vários estados federados, considerando que isso permitiria uma base sólida de independência económica e diplomática sem perigo de hegemonia castelhana. Na literatura, aparecem os poetas de tema libertário e humanitário; os dramaturgos de tese social ; os romancistas da actualidade ; os críticos que advogam o realismo na literatura.
É de notar que boa parte destes doutrinários e escritores veio a ingressar mais tarde nas fileiras conservadoras da Regeneração ou, pelo menos, do funcionalismo público, o que revela a estabilidade do regime. A "Questão Ibérica" recrudesceu com a revolução republicana espanhola de 1868, mas passou a ser utilizada negativamente, como espantalho, na demagogia dos partidos conservadores dominantes. Oliveira Martins observa judiciosamente que, na prática, só se faz sentir neste período um programa de desenvolvimento nacional: o do "regenerador" Fontes Pereira de Melo, que se considerava a si próprio um "fanático pelas vias de comunicação"; a certa altura, já "não há que regenerar, ou todos regeneram de modo igual", e o partido que pretende fazer sombra ao Regenerador e lisonjear a pequena burguesia tinha o "nome incontestavelmente eloquente de Histórico".

Contudo, as correntes literárias que apontámos, e vamos agora estudar, desempenharam um papel reconhecível. A agitação dos doutrinários, poetas, dramaturgos e romancistas não deixou de ter influência em factos como a expulsão das Irmãs da Caridade (63), a extinção dos morgadios (63), do monopólio do tabaco (64), da pena de morte (67), da escravatura (69), a organização de associações pedagógicas filantrópicas e sindicais para as camadas populares e fabris, etc. Por outro lado, a política fontista do transporte não produziu apenas resultados económicos e sociais, mas também culturais. Entre estes últimos podemos contar dois, que vieram a afectar a própria Regeneração: a tendência para a eliminação de certos atrasos culturais provincianos, para aproximar, nomeadamente, o ambiente literário das três principais cidades do País, unidas desde 64 pela linha do Norte; e um contacto mais frequente e fácil com os movimentos culturais europeus, através da linha de Leste, desde 63. Na chamada Geração de 70 intervieram sensivelmente estes factores, bem como a evolução literária geral que se processou entre 1850 e 1870. É com o advento desta geração, como veremos, que as condições e influências que acabámos de apontar virão a manifestar-se de maneira espectacular e literariamente inovadora.

História da Literatura Portuguesa
2002 Porto Editora, Lda.

 

 

Praia da Granja

O pacto da Granja - 1876

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